sexta-feira, 27 de junho de 2008

Café e Anarquia


Hoje vi algo muito interessante, estranho e um tanto paradoxal (?). O cenário era de repartição pública: Gavetas e gavetas, armários de metal daqueles que você abre rodando em noventa graus a maçaneta, um vão com móveis mal distribuídos, uma escrivaninha que se encaixa com uma secretária de meia idade, ofícios chegando, papéis infindáveis. Sentiu falta de algo? Claro! Funcionários na pausa para o cafezinho! Além disso, cada um que chega para entregar uma pasta qualquer pára e dá dois dedinhos de prosa com alguém que mal se consegue ver o rosto por sobre o birô haver muitas outras pastas que chegaram antes.
Eu já havia ido lá um dia antes, mas me pediram para voltar outro dia porque a funcionária faltou. Pedi então que me encaminhassem para outra pessoa. Deu certo. Perdão: Deu certo? Esperei quase uma hora pra me dizerem que eu não seria atendido porque a desgraçada da funcionária, aquela que faltou, só ela tinha o número do processo. Legal esse povo, ou pensam que eu sou um idiota ou ainda vivem nos anos 60. “Olha, ta vendo essa caixinha aqui? Chama de C-O-M-P-U-T-A-D-O-R, PC para os íntimos” ou quem sabe “Sabe isso aqui, faz mágica! É! Você consegue falar com pessoas que não estão por perto. Dizem se chamar C-E-L-U-L-A-R”. Ainda me perguntei, no momento em que cuspia fogo, se ela anotava o número dos processos no diário íntimo que guarda na gaveta do criado-mudo. Ora, será que não tem uma agendinha que seja com o número anotado?! Enfim, tive que voltar no outro dia.
E ali estava eu, sentado naquelas “confortabilíssimas” cadeiras, olhando para o nada e esperando. Foi aí que observei uma senhora que conversava com a secretária: Devia ter seus setenta anos, um conjuntinho florido, cabelo num tom vermelho-redepharma, ar de vó e com uma pele que parecia de fruta. Maçã? Pêra? Não, ameixa. Enfim, a mulher passava uma idéia de serenidade, de paz. Não, eu não esta observando desde que entrou para falar, uma vez que aquele ambiente vago penetrou em minha mente me fazendo pensar em nada ou em algo que não lembro. Porém, meu momento de parada cerebral foi quebrado quando a vovó falou “EU?! EU SOU ANÁRQUICA!” Caí compenetrado em meus pensamentos a tentar decifrar o teor daquela afirmativa. Alguém com idade de mãe de mamãe, tão pacífica que parecia. Temi por sua saúde por estar em tão burocrático ambiente. Teria ela algum símbolo tatuado naquele corpinho? Não queria descobrir nem se me pagassem. Pena não ter conseguido ouvir o restante da conversa, mas a impressão que ficou é que, das duas uma: Ou o tempo já havia levado dela algumas noções de vocabulário, ou aqueles rubros fios de cabelo diziam mais de sua ideologia do que qualquer um de nós pensaria.

Ian Costa Cavalcanti